Dia Internacional do Livro Infantil 2020

No dia 2 de abril celebra-se o Dia Internacional do Livro Infantil, data do nascimento de Hans Christian Andersen. A comemoração desta data pretende homenagear o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, autor de várias histórias para crianças mais lidas em todo o mundo, chamando-se a atenção para a importância da leitura e para o papel fundamental dos livros para a infância.

Todos os anos é disponibilizado um cartaz e uma mensagem de incentivo à leitura, da autoria de um escritor de nacionalidade diferente, que é depois traduzida e divulgada nos países que integram o IBBY.

O cartaz português é sempre da autoria do ilustrador vencedor do Prémio Nacional de Ilustração. Assim, este ano o cartaz é da autoria de André Letria, vencedor do Prémio Nacional de Ilustração do ano passado.

A mensagem é da responsabilidade da Eslovénia, o texto é da autoria do escritor Peter Svetina, e o cartaz foi criado por Damijan Stepančič.

O tema deste ano é “Fome de Palavras”, aqui bem representado pela ilustração de André Letria. André Letria (Lisboa, 1973) trabalha como ilustrador desde 1992, tendo já feito também cinema de animação e cenografia para teatro. A par do trabalho publicado, premiado, é ainda editor da Pato Lógico, que fundou em 2010. A longa lista de livros já publicados inclui, entre outros, Lendas do mar, Versos de fazer ó-ó, Os animais fantásticos, Domingo vamos à Luz ou Se eu fosse um livro — todos feitos em parceria com o pai, José Jorge Letria -, mas também Mar, com Ricardo Henriques, e a coleção de livros-harmónio em nome próprio. Chico Buarque, José Luís Peixoto e José Saramago foram alguns autores que André Letria também ilustrou. Com A Guerra, publicado em 2018, recebeu numerosos prémios nacionais e internacionais, destacando-se o Prémio Nacional de Ilustração (DGLAB) em 2019, mas também o Prémio BIG – Bienal de Ilustração de Guimarães 2019, o BIB Plaque 2019 de Bratislava, o Grande Prémio do Nami Concours 2018, o Little Hakka 2018, etc.

https://www.ibby.org/awards-activities/activities/international-childrens-book-day/2020-icbd-slovenia

 

FOME DE PALAVRAS

Na minha terra, os arbustos florescem em finais de abril, início de maio, e logo se enchem de casulos de borboletas. Parecem bolas de algodão ou pedacinhos de algodão doce, mas as crisálidas que ali de desenvolvem devoram folha após folha, até os arbustos ficarem despidos. Quando as borboletas saem destes casulos, iniciam os seus voos delicados, mas os arbustos não são destruídos. E quando chega o Verão, florescem novamente, e assim acontece ano após ano.

É isto que sucede ao escritor e ao poeta. São devorados, esvaziados pelas suas histórias ou poemas: quando estes já estão escritos, saem a voar para acabar nos livros e poderem encontrar os seus ouvintes ou leitores. E isto repete-se uma vez, e outra vez.

O que acontece aos poemas e às histórias? Conheço um menino que foi operado aos olhos. Depois da cirurgia, teve de ficar duas semanas deitado sobre o lado direito. Durante um mês, não pode ler, não pode ler mesmo nada. Quando ao fim de um mês e meio pegou finalmente num livro, parecia que o livro era uma tigela onde apanhava palavras à colher. Como se as comesse. Como se verdadeiramente as comesse.

Conheço uma rapariga que cresceu e é agora professora. Disse-me: coitadas das crianças a quem os pais não leem livros.

As palavras nos poemas e nos contos são comida. Não são comida para o corpo: ninguém pode encher o estômago com elas. São comida para o espírito e para a alma.

Quando temos fome e sede, o estômago encolhe-se e a boca seca. Procuramos um pedaço de pão, um prato de arroz, de milho, um peixe ou uma banana. Quanto mais fome se tem, mais a atenção diminui, e já não se vê mais nada para lá do pedaço de comida que nos saciaria.

A fome de palavras não se manifesta deste modo, mas adquire a forma da melancolia, do esquecimento, da arrogância. As pessoas que sofrem este tipo de fome não percebem que as suas almas tremem de frio e lhes passam ao lado. Uma parte do mundo foge-lhes das mãos sem que disso tenham consciência.

Esta fome pode ser saciada com contos e poemas.

Mas haverá esperança para aqueles que nunca se alimentaram de palavras para satisfazer a fome?

Sim, há. O menino lê quase todos os dias. A menina que já cresceu e se tornou professora lê histórias aos seus alunos. Todas as sextas. Todas as semanas. Se um dia se esquecer, os alunos vão lembrá-la.

E quanto ao escritor e ao poeta? Quando chegar o Verão, ficarão novamente verdes. E mais uma vez serão comidos pelas histórias e pelos poemas que escrevem, que voarão em todas as direções, como borboletas. Uma vez, e ainda outra vez.

Peter Svetina (n. 1970, Ljubljana, Eslovénia)

Tradução: Maria Carlos Loureiro

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